Mergulhar e respirar: cinemas do entrelugar em Ceilândia, Contagem, Recôncavo e a experiência indivisível

Angelita Bogado,, Scheilla Franca de Souza, Francisco Alves Jr., Ana Luisa de Castro Coimbra, Lina Cirino

O cinema contemporâneo formulou em sua estrutura fílmica modos de passagem, libertando o passado de enquadramentos fixos. Através de planos limiares, som e imagem, inscritos entre o ausente e o presente na cena, abriram um clarão para histórias silenciadas ou apagadas e, assim, reestabeleceram fluxos de narrativas, devolvendo aos sujeitos sentimentos de pertencimento e representatividade. No Brasil, é significativo o número de produções cinematográficas que se lançaram no espaço de trânsito entre o vivido e o imaginado, muitas vezes, negociando visibilidades e invisibilidades da história como forma não apenas de estar em um espaço híbrido, mas sobretudo de refletir sobre esse espaço, fenômeno que denominamos de cinema do entrelugar (BOGADO, 2017). Fantasmas (André Novais, 2010), A cidade é uma só? (Adirley Queirós, 2013), Branco sai, preto fica (Adirley Queirós, 2014), Café com Canela (Ary Rosa e Glenda Nicácio, 2017), Temporada (André Novais, 2018), No Coração do Mundo (Gabriel Martins e Maurílio Martins, 2019), Até o fim (Ary Rosa e Glenda Nicácio, 2020), Movimento (Gabriel Martins, 2020), são alguns filmes de produtoras/coletivos periféricos – Filmes de Plástico, CeiCine e Rosza Filmes -, que trouxeram experiências limiares para discutir territórios fronteiriços no cinema e no Brasil, reconhecendo saberes populares, subjetividades, formas de vida e afetos oprimidos. A ascensão de forças políticas e econômicas mais conservadoras tem promovido uma polarização de ideias, mergulhando o país em uma cisão, na qual pessoas com ideologias distintas não podem (não conseguem) mais se sentar à mesa para debater. Qual a possibilidade e a importância de praticar um cinema do entrelugar onde muros interditam diálogos, muitas vezes impossibilitando seu transbordamento? Entre memórias subjetivas e históricas, personagens, diretores e espectadores percorrem narrativas fílmicas carregando as histórias para “além da fronteira de nossos tempos” (BHABHA, 2007, p. 23), reviram escombros e trazem para o primeiro plano histórias adormecidas, sejam nacionais, comunitárias, familiares ou individuais. Que transformações o fenômeno cinematográfico do entrelugar sofre neste mundo angustiado, polarizado, em isolamento/risco pela COVID-19? Através do método comparativo de constelar filmes (SOUTO, 2019), partimos de cotejar obras da CeiCine, Filmes de Plástico e Rosza Filmes sob a constelação do território e da experiência indivisível: território/espaço fílmico, viver/filmar, real/fabulação, próprio/comum, estética/política. São cineastas que, reconhecidos nacional e internacionalmente, têm como lugar de fala, vida e cinema, territórios invisibilizados pelos grandes centros: Recôncavo da Bahia, Ceilândia-DF e Contagem-MG. Nesta proposta – desenvolvida no GEEECA (Grupo de Estudos em Experiência Estética, Comunicação e Arte) vinculado à UFRB/CNPq e coordenado por Angelita Bogado e Jorge Cardoso Filho -, desejamos dialogar sobre linguagens artísticas que profanam fronteiras erguidas por mecanismos de poder, ao mesmo tempo em que as performances dos corpos em cena/da cena indicam possíveis organicidades, buscando reaver uma “continuidade da experiência estética com os processos normais do viver” (DEWEY, 2010, p. 70). Uma geração de realizadores que percebe complexidades deste tempo de dissenso, fazendo do cinema espaço de resistência em um mundo submerso, mas que precisa respirar.

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