Retratos de género na comunicação pública de saúde no contexto covid em Portugal

Paula Lobo, Ivone Ferreira, Melissa Pio

A história do trabalho feminino nasce e se desenvolve na esfera privada. A casa, este espaço íntimo e precioso, mas também repleto de tarefas efêmeras e cíclicas, sistematicamente colocadas sob a responsabilidade do género feminino, tem a mulher não apenas como a sua habitante, mas também como a principal, e usualmente única, trabalhadora do lar. Ariès & Duby (1985) apontam que, desde o império romano, o trabalho das mulheres é essencialmente o trabalho do cuidado: com o lar, com as roupas e com as outras pessoas que ali moram. A naturalização de conceitos tais como o instinto maternal, a necessidade de se ter filhos e a capacidade supostamente intrínseca de se cuidar dos outros, muitas vezes sustentados através de conceitos biológicos (Wolf, 1992) levou à dominância de um discurso no qual a mulher só será verdadeiramente bem-sucedida se tudo e todos que estão sob os seus cuidados forem bem-sucedidos. Na verdade, a ideia do cuidado como um traço indissociável à figura feminina é tão forte que conseguiu permanecer mesmo após três vagas feministas Neste momento, em que o cuidado passa a ser uma questão de saúde pública, diante do contexto da pandemia de Covid-19, provocada por um novo Coronavírus, é pertinente analisar a forma como tem sido feita a representação da mulher nas comunicações públicas de saúde. Para esse efeito, reunimos um conjunto de anúncios publicitários televisivos emitidos em sinal aberto durante o período prime time nos meses de março a maio 2020, altura em que Portugal esteve em Estado de Emergência e Estado de Calamidade. Essa análise nos permitiu verificar uma consolidação da imagem pública da mulher como cuidadora dos outros: a enfermeira que cuida do trabalho pesado e muitas vezes invisível, a pessoa que ensina os pormenores básicos de higienização por oposição aos médicos, cientistas e infectologistas do sexo masculino que surgem na qualidade de especialistas e decisores.

Num contexto pandémico, a comunicação pública na área da saúde torna-se, rapidamente, no meio primordial de informação e orientação de uma população preocupada e sedenta de conhecimento. Assim, é de esperar que os públicos-alvo destes conteúdos comunicacionais sejam muito vastos. O potencial de difusão e impacto destas mensagens na população e a sua dimensão organizadora da realidade – na medida em que vem indicar aos seus públicos modos de se proteger, de se comportar e de reagir perante a ameaça iminente – é, sem dúvida, considerável. Por este motivo, é tão importante a análise dos papéis sociais que são atribuídos, numa dimensão do género, no contexto desta comunicação pública de grande alcance.  

Leave a Reply

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.