Reflexões sobre quilombismo e políticas de cabelo

Julio Cesar Sá da Rocha, Maria da Graça Malheiros Silva, Jade Lorena Santos Andrade, Aline Vilena Teles dos Santos, Gine Alberta Ramos Andrade Kinjyo

Interdisciplinariedade em Grada Kilomba e Abdias – Julio Cesar Sá da Rocha

O Quilombismo de Abdias Nascimento, que teve sua primeira edição em 1980, é obra de reflexão crítica que versa sobre as práticas racistas no Brasil e a situação da população negra. O livro estrutura-se em dez ensaios denominados Documentos, sendo que o primeiro Documento “Mistura ou Massacre?” se debruça sobre o racismo à brasileira e a análise comparativa com aquele da África do Sul e EUA. O capítulo aprofunda a análise sobre o massacre e genocídio do negro. A obra do intelectual e político Abdias Nascimento continua extremamente atual diante da realidade da necropolítica dos tempos atuais, com utilização da categoria do Professor Achillie Membe e que Abdias traduzia como etnocídio cometido pelo Estado brasileiro. Enfim, O Quilombismo é obra de vanguarda e que precisa ser conhecida, debatida e colocada em prática nos diversos campos do conhecimento, com influência nas culturas. Ademais, a comunicação de O quilombismo com Memórias da Plantação de Grada Kilomba permite e leva à reflexões multidisicplinares e imbricadas sobre o Racismo e a decolonização;

Políticas do Cabelo – Maria da Graça Malheiros Silva, Gine Alberta Ramos Andrade Kinjyo e Aline Vilena Teles dos Santos 

Nesse capítulo, assim como em todo o livro sob o título Memórias da Plantação -Episódio de Racismo Cotidiano, Grada Kilomba, de origem portuguesa com ascendência em Santo Tomé – Angola, faz uma abordagem com embasamento da psicologia, psicanálise e da teoria feminista. Grada relata a sua experiência e sua pesquisa de doutorado mostrando o racismo, através dos relatos feitos nas entrevistas por ela realizadas com duas mulheres negras, uma afro-alemã e uma afro americana que vive na Alemanha. Grada coloca em sua obra as reações e sentimentos dessas mulheres ao sofrerem racismo cotidiano. Traremos à baila, a memória e a história do capítulo 6 do livro, intitulado “Políticas do Cabelo”, no qual Grada trata acerca do respeito e da invasão do corpo negro, através do cabelo negro. A autora argumenta que o cabelo é mais importante do ponto de vista da dominação do que o corpo.  Ela expõe, através das entrevistadas e de sua própria experiência, o porquê da não aceitação desse sinal que é o cabelo crespo e sobre o que o cabelo negro representa na sociedade. O toque do cabelo sem permissão representa uma invasão à intimidade e à pessoa em si, esse tocar o cabelo faz o sujeito negro se sentir diferente porque sempre surgem perguntas sobre a forma de lavar o cabelo, o tom irônico ao sentir a maciez pois há sempre uma forma pejorativa ao perguntar. Grada explana de forma brilhante sobre a construção do que é o cabelo bom (tipo como o da pessoa branca) e do que seria o cabelo ruim (tipo como a da pessoa negra), sendo importante registrar que o ato do toque é invasivo porque o cabelo está associado ao controle do branco sobre o negro.  O cabelo é mais importante do que a cor da pele, vez ser um sinal de negritude, e o sujeito branco usa isso para oprimir, inferiorizar, diminuir a autoestima da pessoa negra, e ter o controle sobre o corpo negro. O cabelo dito ruim, pelo sujeito branco, é visto e se revela como um sinal de inferioridade e da não aceitação social do fenótipo negro. As perguntas que são feitas às mulheres negras, acerca de como elas lavam seus cabelos e se os penteiam são claros recortes de verdadeiros racismos cotidianos. Grada sugere que o sujeito branco tem por prática alinhar a imagem do sujeito negro como sujo, selvagem, a partir do cabelo que é visto como cabelo ruim, de um ser inferior. Pontua a autora que o sujeito branco, ao fazer elogios em tom irônico, desdenha quando diz: seu cabelo é sedoso! No pensar do sujeito branco, um cabelo negro jamais poderia ser sedoso porque o cabelo negro é considerado inferior e feio. Grada faz reflexões intensas ao dizer que o cabelo acaba se tornando uma referência fundamental da consciência política, entre os africanos(as) especialmente na diáspora. Ela traz uma série de embasamentos da psicanálise e da teoria feminista, e faz uma análise desse corpo negro na sociedade e dos efeitos psíquicos do racismo.

O Quilombismo – Jade Lorena Santos Andrade

O presente resumo visa apresentar o pensamento de Abdias do Nascimento ao evidenciar o caráter libertário e revolucionário do projeto de Estado Nacional Quilombista. No seu livro O quilombismo, mais precisamente no Capítulo 07, que leva o mesmo nome, Abdias resgata a herança negra africana, no qual indaga a ausência proposital da memória positiva da África para os descendentes dos povos em maafa (ANI,xx). Essa é apagada ou embranquecida a fim de que se esconda o legado de civilizações negras como o Egito, fundamentais, por exemplo, para a matématica e astronomia. O povo preto vive um verdadeiro estado de terror, com tentativas de aniquilação cotidianas, assim, esse Estado se torna naturalmente ilegítimo, porque consolida a cristalização dos interesses exclusivos de uma elite que aspira atingir o status ário-europeu em estética racial, em padrão de cultura e civilização. Escondendo pela falácia da “democracia racial” os seus privilégios tanto de classe e fundamentalmente da brancura em um sistema formado para isso. Um exemplo enegrecido disso é o Atlas de Violência 2020, que retrata que em 2018, os negros representaram 75,7% das vítimas de assasinato. Além disso, em dez anos, esse número de assasinatos aumenta com o passar do tempo (11,5%), em contrapartida, quando se trata de não negros, o mesmo diminui (12,9%). Por isso, Abdias propõem o projeto político de Estado quilombista, visto que é evidente que a estrutura e os componentes do sistema se sustentam no genocídio negro. Ele busca assim, a autodefinição desse povo, inspirada na experiência revolucionária dos quilombos provenientes do comunitarismo ou ujaamaísmo da tradição africana, a fim de construir uma democracia verdadeira, pois com racismo não há democracia. Esse programa de ação conversa com a atuação de Abdias enquanto senador, na inclusão da raça nos futuros censos, na localização de documentos que retratam a relação entre escravizados e seus descendentes e na verdadeira inserção da população negra no mercado de trabalho, como no projeto de lei n.1332, de 1983. Além do dialógo com os projetos pan-africanistas, tem-se o ensino de Yorubá e Swahili nas escolas; a amizade com a África independente; e um projeto de autonomia que acredite numa economia de base comunitária-cooperativista no setor da produção, distribuição e da divisão dos resultados do trabalho coletivo. Assim, é resgatada a memória coletiva negra, dando voltas contrárias na árvore do esquecimento, reafirmando o legado do povo negro, em um encontro consigo mesmo. A fim de resgatar e investigar outros projetos de sociedade que tenham como eixo a verdadeira liberdade dos povos, sobretudo, o povo preto e indígena, um projeto de passado para “sulear” esse futuro.

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