Desdemocratização, cultura e resistência no Recôncavo da Bahia

Laura Bezerra, Juliana Neves de Barros, Luciano Simões, Samuel Barros.

Propomos uma reflexão sobre as disputas de poder e estratégias de resistência no Brasil atual, a partir de experiências desenvolvidas no Recôncavo da Bahia. 

A Constituição Federal de 1988 reconhece a cultura como um direito e afirma o papel do Estado para sua garantia. As políticas públicas podem ser vistas como um “instrumental de efetivação dos direitos culturais” (CUNHA FILHO, 2017, p. 177), mas esta perspectiva só se efetivou no Governo Lula (VARELLA; BRANT, 2020) com programas de incidência na sociedade como um todo, entre as quais destacamos as iniciativas para induzir a participação e o controle social. 

Nos últimos anos, o Brasil tornou-se parte destacada de um processo global, o “laboratório interseccional do neoliberalismo” (FASSIN; 2019). O país vivencia uma “desdemocratização” (BROWN, 2006;2018), assistindo a um veloz desmoronamento do pacto de direitos edificado na CF ameaçando a ideia de um Estado incentivador dos diferentes modos de viver, fazer e criar dos povos. Na ordem do dia estão o desmonte de políticas públicas, aparelhamento das instituições, episódios de censura e o recrudescimento da violência em diversas esferas de vida.

Por outro lado, cabe também (re)conhecer as resistências que se afirmam na contraface desse processo. Considerando que as assimetrias de poder presentes na sociedade tradicionalmente excluíam os agentes culturais populares da participação nas políticas e na gestão da cultura, voltamos nosso olhar para uma sociedade civil que se empoderou e desenvolveu estratégias de afirmação de seu lugar. 

Duas experiências serão abordadas: por um lado, as estratégias desenvolvidas por grupos de cultura popular do Recôncavo que, nos últimos 15 anos,  assumiram o protagonismo na salvaguarda de manifestações culturais tradicionais, buscando, por exemplo, o registro do Samba de Roda; do Bembé do Mercado e das Cheganças como patrimônio imaterial e, assim, construindo um outro tipo de relação com o poder público. Relevante, nesse contexto, atentar para a relação entre comunicação e política e investigar o papel da internet para a articulação da sociedade civil, seja para a articulação interna de grupos e organizações, seja para que estes grupos sejam vistos e reconhecidos pela sociedade, ou ainda o papel – nem sempre favorável – desempenhado pela internet na luta por reconhecimento de direitos por parte dos atores estatais. Cabe, assim, uma reflexão tanto dos usos sociais de recursos embutidos nos aparelhos celulares, quanto nos softwares, aplicativos e plataformas que condicionam a ação política, mas também têm agência, de modo a configurar uma nova gramática dos modos de fazer política. Outra experiência são as articulações em torno da  Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc (Lei nº 14.017/2020), ela própria resultados de articulações e debates mobilizadas por organizações da sociedade civil e lideranças políticas. Debateremos se e como os processos de implementação da Lei Aldir Blanc nos municípios do Recôncavo da Bahia resultaram numa ampliação, diversificação e fortalecimento da participação dos agentes culturais locais em decisões estratégias de execução de uma política pública, favorecendo que os recursos efetivamente mais pessoas, coletivos e espaços culturais historicamente mais vulnerabilizados e invisibilizados do Território.

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